Como as estruturas envolvidas são relacionadas diretamente à mastigação, comunicação, visão e audição, a dor persistente na região facial tende a afetar o indivíduo nesses mesmos pontos
 

DOR orofacial


 

Cerca de 70% dos pacientes com esta queixa apresentam algum tipo de DTM, embora apenas 5% necessitem de tratamento

Não é raro uma simples dor na região da cabeça ou do pescoço se transformar em um tormento. Seja pelo estresse, por um trauma acidental ou por uma causa desconhecida, a sensação desagradável passa a atrapalhar o sono, o humor, o trabalho e as relações pessoais. Mas o mais grave é quando o incômodo esconde um problema mais sério que, se não for diagnosticado e tratado pelo profissional adequado, pode evoluir para danos irreversíveis.

Como as estruturas envolvidas são relacionadas diretamente à mastigação, comunicação, visão e audição, a dor persistente na região do rosto tende a afetar o indivíduo nesses mesmos pontos. Segundo dados da Sociedade Cearense para o Estudo da Dor, que em abril completa um ano de fundação, cerca de metade da população apresenta problemas na região orofacial, enquanto entre 5% e 10% dessas pessoas necessitam de tratamento.

De acordo com secretária da Sociedade e odontóloga com especialização em dor orofacial, Neuza Márcia Lopes Rocha, a dor referida é a mais comum na região. As queixas dos pacientes, segundo ela, muitas vezes são confundidas com distúrbio temporomandibular (DTM) e diagnosticadas pelos próprios pacientes, erroneamente, como articulação temporomandibular (ATM).

Segundo Neuza Márcia, 70% desses pacientes possuem algum tipo de DTM, embora apenas cerca de 5% precisam efetivamente de tratamento.

“Primeiro, é o dentista quem deve dar o diagnóstico inicial e, se for preciso, ele encaminha para outro profissional, que pode ser um neurologista, um fisioterapeuta. Por isso o trabalho tem que ser interdisciplinar”, define a odontóloga.

Enfatiza, também, que a “dor não se trata apenas com uma consulta, um remédio, uma terapia ou com um profissional só. Quando se trata de dor crônica (com ocorrência superior a três meses), muitas vezes requer até ajuda psicológica. A questão não é tratar a doença, é manejar o paciente com dor”, afirma a odontóloga.

A partir do diagnóstico, o paciente passa para outra fase. Dependendo da classificação atribuída à dor (congênita, inflamatória, não-inflamatória, músculo-esquelética), é definido o tratamento adequado.

O processo varia de acordo com cada caso e inclui desde mudança de hábitos, aconselhamento e monitoramento com o profissional visando o uso correto de placas oclusais, terapia com fisioterapeuta ou intervenção cirúrgica.

Essas dores causam incômodos constantes à pessoa, principalmente se ultrapassar o período de três meses, quando começam a comprometer a qualidade de vida. Há casos, relata, em que a intensidade e persistência da dor pode até levar o indivíduo a desenvolver um quadro depressivo. “A pessoa não dorme bem, tem sono intranqüilo, aumenta a carga de estresse e prejudica o relacionamento pessoal, profissional e sua vida social. Ela modifica o humor com facilidade, perde o dia de trabalho, tende a se isolar e fica enjoada”, relata Neuza Márcia. A preocupação com a dor deve ser maior se a pessoa tiver o hábito de recorrer ao uso de medicamentos com certa frequência. “De início, pode ser uma dor primária, leve, e depois tornar-se secundária, devido ao abuso de medicamentos”.

Stênio Saraiva
 
Dra. Neuza Márcia Rocha: DTM pode ser confundida com problemas de saúde mais graves
 


Se não disgnosticada corretamente, muitas vezes a DTM pode ser confundida com um problema de saúde mais sério. Como a disfunção se localiza na região da face, as dores perto dos olhos, ouvido, nariz e boca podem indicar um problema relacionado a essas regiões ou mesmo ao cérebro ou ao coração.

A dor mais comum, sem causa grave, está relacionada a uma injúria que, depois da cicatrização, desaparece. Mas existe outro tipo de dor na região orofacial que é chamada de dor neuropática e pode ser confundida com outros problemas.

1. Neuralgia do trigêmio, neuralgia do glossofaíngeo: parece com dor mastigatória.

2. Odontalgias atípicas: dor dentária de origem não dentária, que leva muitas vezes a tratamentos de canais e até mesmo a extrações dentárias sem alívio da dor.

3. Cefaléia: é a famosa dor de cabeça. Pode ser primária, mais comuns, mas da competência do neurologista; ou secundária, que pode surgir de problemas como a DTM e que muitas vezes se confunde com a cefaléia primária do tipo tensional.

4. Dor por DTM: é a mais comum da região facial. O termo representa uma coleção de condições comuns afetando as articulações temporomandibulares e os músculos da mastigação. Os principais sinais e sintomas dor na ATM, dor e sensibilidade dos músculos mastigatórios, ruídos articulares e limitação ou distúrbios durante os movimentos mandibulares. A incidência dos sintomas varia de 6% a 48% para ruídos, de 3% a 21% para dor durante movimentos mandibulares e de 5% a 14% para limitação de abertura. Já os sinais se modificam de 9% a 50% para ruídos articulares, de 1% a 39% para sensibilidade da ATM à palpação, de 16% a 64% para sensibilidade dos músculos mastigatórios à palpação;e de 4% a 18% para limitação de abertura mandibular.

CÉREBRO

Os casos mais graves de DTM são os que surgem repentinamente e após os 50 anos. Pode ocorrer de o paciente acordar, durante a noite, com fortes dores na região orofacial.

O problema pode ser de origem intracraniana, como um abscesso (acúmulo de pus decorrente de processo inflamatório) ou um edema (acúmulo anormal de líquido). Nesse caso, a pessoa pode confundir a dor orofacial com algo muito mais grave, que exige rapidez no tratamento, alerta Neuza Márcia. Além disso, se o dentista pensar só em dor de DTM e origem mastigatória, limitará o diagnóstico.

OLHOS

Outra situação preocupante que surge na região temporal (na lateral da cabeça, ao lado dos olhos) é a arterite, uma inflamação na artéria que pode levar à cegueira do nervo ótico. Essa dor se caracteriza por ser unilateral e não pulsátil.

OUVIDO

A ATM e os ouvidos são muito próximos, por isso é comum a dor em uma e outra região serem confundidas com problemas simultâneos. A carga excessiva devido ao aperto e ranger dos dentes pode causar dor referida ao ouvido. Já a otite (inflamação no ouvido) e mastoidite (em apófise mastóide), como se encontram em região circunvizinha à ATM, pode referir dor para a área mastigatória.

NARIZ

A raiz do dente, principalmente os da região de pré-molares, encontra-se próxima à ATM. Por conta disso, uma sinusite (inflamação de certos ossos do crânio e da face) pode ser confundida com uma simples dor de dente e depois evoluir para as típicas dores e incômodo ao lado do nariz.

Nesse caso, se a pessoa tratar o dente e não o problema em si, pode se considerar portador da ‘síndrome do dente fantasma’. O paciente aponta o dente que está doendo, ali é feito um tratamento endodôntico, um canal, depois passa para os dentes vizinhos, e nada é resolvido, explica Dra. Neuza Márcia. Depois a dor reaparece, de fato, perto do nariz.

Marta Araújo - Especial para o Viva

Repotagem publicada no Caderno Viva do Diário do Nordeste em 19 de janeiro de 2003